Professores de Oxford bebiam no crânio de uma mulher caribenha até 2015

O caso foi investigado por um arqueólogo da própria instituição.

O cálice de osso tem 225 anos e possivelmente pertenceu a uma escravizada.

O caso foi investigado por um arqueólogo da própria instituição.

Se você fosse convidado para um jantar formal na Worcester College, na prestigiosa Universidade de Oxford, poderia acabar bebendo vinho em um recipiente bem sinistro. Isso porque, até 2015, os professores utilizavam um cálice feito com um crânio humano – um resquício da história violenta do colonialismo britânico.

O crânio fora serrado e polido, e adornado com uma borda e um suporte de prata. Na borda, lê-se o nome do doador da peça, o antropólogo eugenista George Pitt-Rivers.

A história da taça pré-doação é até bem documentada: sabe-se que George herdou a peça do seu avô, o arqueólogo Augustus Pitt Rivers. Augustus, por sua vez, tinha comprado a taça em um leilão, em 1884. 

Arqueólogo Augustus Pitt Rivers

Quem vendeu foi um advogado chamado Bernhard Smith, que colecionava peças de artilharia, e provavelmente recebeu o objeto sinistro de presente do seu pai, que serviu à Marinha Real do Reino Unido no Caribe. Smith foi o provável responsável por restaurar o cálice, substituindo o suporte de madeira pelo de prata em 1838.

Se a genealogia do cálice é clara, não se pode dizer o mesmo sobre a dona do crânio. Não há qualquer documento sobre sua origem; a datação por radiocarbono indica que o osso tem cerca de 225 anos. As informações são de um arqueólogo da própria Universidade de Oxford, Tom Hicks.

Em entrevista ao jornal The Guardian, Hicks afirma que o tamanho e as evidências circunstanciais sugerem que o crânio veio do Caribe e possivelmente pertenceu a uma mulher escravizada. “A desumanização e a destruição das identidades faziam parte da violência”, disse o arqueólogo.

No início, o cálice era utilizado para beber vinho na “sala comum sênior”, um espaço para os professores da Worcester College. Com o tempo, começou a vazar e passou a ser usado apenas para beber chocolate quente. Foi só em 2015 que a prática foi abandonada, diante da inquietação de colegas e convidados.

Ao The Guardian, a faculdade afirmou que o cálice foi algumas vezes exposto com a coleção de prata e usado como utensílio de mesa, mas que não há registros da frequência com que isso acontecia. O uso passou a ser “muito limitado” depois de 2011 e, em 2015, o cálice foi completamente removido “de forma respeitosa” para um acervo de acesso restrito.

Alguns anos depois, em 2019, a faculdade convidou Hicks para investigar as origens do crânio. A história será contada em detalhes no seu livro, Every monument will fall (“todos os monumentos cairão”, em tradução livre). A obra será lançada no início de maio e reune histórias de artefatos e monumentos que escondem legados da escravidão, do racismo e das guerras.

Outra coincidência da história é que Hicks é curador do Pitt Rivers Museum, dentro da Universidade de Oxford. Reconhece o nome? Um dos donos do cálice, o arqueólogo Augustus Pitt Rivers, o avô do doador, fundou a instituição mais ou menos na mesma época em que adquiriu o artefato.

Pitt Rivers Museu.

No livro, Hicks discute a posição crítica de ser curador de um acervo construído com base em crimes e na exploração de outros grupos.

Ele também é autor do livro The Brutish Museum (um trocadilho que troca “britânico” por “bruto” no nome de um dos museus mais famosos do mundo, o British Museum). No livro, Hicks afirma que o acervo do museu é baseado em roubos e discute a decolonização e repatriação de itens para seus locais originais, a partir do caso de peças de bronze roubadas do reino de Benin, no oeste da África.

A história colonial é marcada por estas práticas – os museus europeus estão repletos de artefatos culturais de todos os cantos do mundo, exibidos com ares de exotismo.

No ano passado, o Brasil conseguiu o retorno de um manto produzido pelos Tupinambás que foi levado para a Dinamarca há mais de 300 anos. Ele foi recebido com emoção pelos indígenas, que atribuem ao objeto um grande valor cultural e espiritual. Para eles, nunca fez sentido que aquele objeto estivesse em um museu do outro lado do oceano.

Um processo parecido ocorre com o acervo de Harvard, que abriga um crânio de um homem desconhecido brasileiro desde a Revolta dos Malês, em 1835. O crânio pertenceu a um homem negro e mulçumano que lutou na Revolta, e foi contrabandeado por um agente secreto dos EUA.

Assim como no caso da caneca de Oxford, não há clareza sobre como ou por quê o crânio foi traficado.

É possível que fossem parte de algum estudo eugênico, como a frenologia, uma pseudociência que foi moda nos séculos 19 e 20 e buscava relacionar o formato da cabeça com as capacidades intelectuais. Essa prática, realizada por europeus, partia do pressuposto furado de que os brancos eram os humanos biologicamente superiores.

Pode ser, também, que tanto o crânio malê quanto o cálice caribenho não passassem de souvenirs, uma lembrança banal do processo colonizatório que tentava reduzir pessoas negras à objetos.

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