Paris na Segunda Guerra

Durante a ocupação nazista na França, o fotógrafo francês André Zucca registrou cenas raras — e coloridas — do cotidiano em Paris. Essas imagens foram feitas com o sofisticado filme Agfacolor, fornecido pela Wehrmacht, e publicadas na revista alemã de propaganda chamada Signal.

Nas fotos, vemos um contraste curioso: ruas cheias de vida, jovens elegantes, viajantes, cafés movimentados… tudo isso sob a vigilância dos soldados alemães e dos símbolos nazistas espalhados pela cidade. A impressão que fica é quase surreal: uma Paris que, mesmo ocupada, não aparenta tristeza ou resistência — ao menos aos olhos da lente de Zucca.

Uma multidão cerca uma banda itinerante enquanto eles tocam em uma rua de Paris.

André Zucca nasceu em Paris, em 1897, filho de uma costureira italiana. Viveu parte da juventude nos Estados Unidos, mas voltou à França em 1915. Quando a Primeira Guerra Mundial estourou, ele se alistou no exército francês, foi ferido em combate e condecorado com a Cruz de Guerra.

Depois da guerra, Zucca se dedicou à fotografia. E em 1941, com a França sob ocupação alemã, foi contratado para trabalhar na Signal. O objetivo era claro: produzir imagens que suavizassem a percepção da ocupação alemã na França. Algumas fotos também foram usadas para incentivar jovens franceses a se alistarem na Legião dos Voluntários Franceses Contra o Bolchevismo, um grupo colaboracionista que lutava ao lado dos nazistas na Frente Oriental.

Mulheres em uniformes militares olham para um memorial de guerra em homenagem aos mortos na Primeira Guerra Mundial, pouco mais de duas décadas antes.

Até hoje, há debate sobre o verdadeiro posicionamento de Zucca. Ele era apenas um fotógrafo contratado? Ou simpatizava com a ideologia nazista? Há quem diga que ele era, na verdade, um anarquista de direita. O que sabemos com certeza é que suas fotos oferecem um registro raro, polêmico e extremamente revelador de uma Paris ocupada — colorida, vibrante e silenciosamente controlada.

Duas mulheres em uniformes de estilo militar fazem compras em uma barraca que vende brinquedos.

Além de suas contribuições para a Signal, ele foi um dos poucos fotógrafos na Europa ocupada com acesso ao filme Agfacolor, um filme colorido raro e caro na época, graças à sua estreita relação com os alemães. Ele é mais conhecido hoje por suas fotografias coloridas da vida cotidiana em Paris sob ocupação alemã.

Um homem e uma mulher de aparência rica andam em uma carroça puxada por dois parisienses magros em uma bicicleta dupla.

Após a libertação, ele foi levado a julgamento em outubro de 1944 pelo Governo Provisório Francês na épuration légale (expurgo legal), onde seus privilégios jornalísticos foram revogados permanentemente.

O tribunal decidiu que nenhuma outra ação legal deveria ser tomada contra Zucca, em grande parte graças às credenciais de um membro da resistência que falou em seu nome.

Postos de guarda ficam do lado de fora de um edifício cuja placa o anuncia como um local importante para o exército alemão de ocupação.

Com sua carreira jornalística em ruínas, Zucca assumiu o nome André Piernic e se estabeleceu na comuna francesa de Dreux, onde abriu uma pequena loja de fotografia, fotografando casamentos e comunhões. Ele faleceu em 1973.

Suas coleções de fotos foram compradas pela Bibliothèque historique de la ville de Paris em 1986, consistindo principalmente de suas fotos da Paris ocupada, tiradas durante a Segunda Guerra Mundial.

Soldados da Wehrmacht com expressão severa marcham por uma das amplas avenidas da cidade.

Durante a ocupação, o governo francês mudou-se para Vichy, e Paris foi governada pelos militares alemães e por oficiais franceses aprovados pelos alemães.

Para os parisienses, a Ocupação foi uma série de frustrações, escassez e humilhações. O toque de recolher vigorava das nove da noite às cinco da manhã; à noite, a cidade ficava às escuras.

O racionamento de alimentos, tabaco, carvão e roupas foi imposto a partir de setembro de 1940. A cada ano, os suprimentos ficavam mais escassos e os preços mais altos.

Um milhão de parisienses deixaram a cidade rumo às províncias, onde havia mais comida e menos alemães. A imprensa e o rádio franceses continham apenas propaganda alemã.

A atitude dos parisienses em relação aos ocupantes variava muito. Alguns viam os alemães como uma fonte fácil de dinheiro; outros, como comentou o Prefeito do Sena, Roger Langeron (preso em 23 de junho de 1940), “os olhavam como se fossem invisíveis ou transparentes”.

A atitude dos membros do Partido Comunista Francês era mais complicada; o Partido havia denunciado o nazismo e o fascismo por muito tempo, mas após a assinatura do Pacto Molotov-Ribbentrop em 23 de agosto de 1939, teve que mudar de direção.

Os nazistas foram mostrados como integrados à vida parisiense nas pinturas de Zucca.

Encontrar comida logo se tornou a principal preocupação dos parisienses. As autoridades da ocupação alemã transformaram a indústria e a agricultura francesas em uma máquina a serviço da Alemanha.

Os embarques para a Alemanha tinham prioridade; o que restava ia para Paris e o resto da França. Todos os caminhões fabricados na fábrica da Citroën iam diretamente para a Alemanha. A maior parte dos embarques de carne, trigo, laticínios e outros produtos agrícolas também tinha como destino a Alemanha.

Uma jovem família, incluindo um homem em idade normal de recrutamento, está sentada ao sol comendo cerejas.

O sistema de racionamento também se aplicava ao vestuário: o couro era reservado exclusivamente para as botas do exército alemão e desapareceu completamente do mercado. Os sapatos de couro foram substituídos por sapatos de borracha ou lona (ráfia) com sola de madeira.

Suásticas gigantes enfeitam as ruas da capital francesa.

Surgiu uma variedade de produtos substitutos , que não eram exatamente o que eram chamados: vinho substituto, café (feito com chicória), tabaco e sabão.

Encontrar carvão para aquecimento no inverno era outra preocupação. Os alemães haviam transferido a autoridade sobre as minas de carvão do norte da França de Paris para seu quartel-general militar em Bruxelas.

Parisienses são mostrados pescando no Sena.

A prioridade para o carvão que chegava a Paris era o uso nas fábricas. Mesmo com cartões de racionamento, era quase impossível encontrar carvão suficiente para aquecimento. O fornecimento para as necessidades normais de aquecimento só foi restabelecido em 1949.

Os restaurantes parisienses estavam abertos, mas enfrentavam regulamentações rígidas e escassez de alimentos. Carne só podia ser servida em determinados dias, e certos produtos, como creme, café e produtos frescos, eram extremamente raros. Mesmo assim, os restaurantes encontraram maneiras de atender seus clientes regulares.

O historiador René Héron de Villefosse, que viveu em Paris durante a guerra, descreveu sua experiência: Os grandes restaurantes só tinham permissão para servir, sob o olhar feroz e frequente, macarrão com água, nabos e beterrabas, em troca de um certo número de ingressos, mas a busca por uma boa refeição continuou para muitos amantes da comida .

Por quinhentos francos, era possível conquistar uma boa costeleta de porco, escondida sob o repolho e servida sem os ingressos necessários, acompanhada de um litro de Beaujolais e um café de verdade; às vezes era no primeiro andar da rue Dauphine, onde se podia ouvir a BBC sentado ao lado de Picasso.

Muitos parisienses colaboraram com o governo do Marechal Pétain e com os alemães, auxiliando-os na administração da cidade, na polícia e em outras funções governamentais. Funcionários do governo francês tiveram a opção de colaborar ou perder seus empregos. Em 2 de setembro de 1941, todos os magistrados de Paris foram convidados a prestar juramento de fidelidade ao Marechal Pétain.

Oficiais da Wehrmacht conversam com uma mulher parisiense.

A série é repleta de mulheres elegantes vestindo roupas estilosas e aplicando maquiagem, em forte contraste com as dificuldades comumente associadas ao regime nazista.

Uma senhora idosa caminha pela rua usando a estrela amarela que os nazistas forçaram os judeus a usar.

Apenas um, Paul Didier, recusou. Ao contrário do território da França de Vichy, governado pelo Marechal Pétain e seus ministros, o documento de rendição colocava Paris na zona ocupada, diretamente sob a autoridade alemã.

Após a invasão aliada da Normandia em 6 de junho de 1944, a Resistência Francesa em Paris lançou uma revolta em 19 de agosto, tomando a sede da polícia e outros prédios governamentais.

A cidade foi libertada por tropas francesas e americanas em 25 de agosto; no dia seguinte, o General de Gaulle liderou um desfile triunfal pelos Champs-Élysées em 26 de agosto e organizou um novo governo.

Nos meses seguintes, dez mil parisienses que colaboraram com os alemães foram presos e julgados , oito mil condenados e 116 executados.