Quando falamos sobre o futuro do varejo e das compras automatizadas, é fácil imaginar inteligência artificial, autosserviço digital e experiências sem caixa.
Mas poucos sabem que esse conceito futurista já havia sido tentado nos Estados Unidos na década de 1930.
O nome dessa revolução precoce no setor supermercadista era Keedoozle, um experimento inovador criado por Clarence Saunders, o mesmo visionário por trás do Piggly Wiggly — o primeiro supermercado self-service do mundo.
Clarence Saunders: O Pai do Autosserviço
Antes de entender o Keedoozle, é importante conhecer Clarence Saunders. Nascido em 1881, ele revolucionou o varejo ao fundar, em 1916, o Piggly Wiggly, em Memphis, Tennessee. Até então, os clientes apenas entregavam suas listas de compras aos balconistas e aguardavam o atendimento. Saunders mudou tudo ao criar um sistema onde o cliente percorria corredores e escolhia seus próprios produtos — um modelo que se tornou o padrão dos supermercados modernos.
Saunders chegou a patentear o conceito de “loja de autosserviço” em 1917, e seu sucesso foi tanto que rapidamente se espalhou por todo os Estados Unidos. Sua inovação reduzia custos operacionais, aumentava a eficiência e proporcionava preços mais competitivos.
O Nascimento do Keedoozle: Uma Ideia Visionária
Décadas após a criação do Piggly Wiggly, Saunders voltou a surpreender. Em 1937, lançou o conceito do Keedoozle — uma loja totalmente automatizada que dispensava o contato direto com os produtos nas prateleiras. O nome incomum é uma combinação da expressão “Key Does All”, ou seja, “A chave faz tudo”. Isso porque os clientes recebiam uma chave especial para realizar suas compras.
Imagine entrar em uma loja onde os produtos estão trancados atrás de vitrines, com pequenas janelas exibindo amostras. Ao invés de pegar um item diretamente da prateleira, você usava uma chave codificada para selecionar os produtos desejados. Ao inserir a chave em uma abertura correspondente ao produto, ela registrava sua escolha em uma fita perfurada.
Esse registro era depois processado por um leitor eletrônico que, por meio de um sistema de esteiras rolantes nos bastidores, separava os produtos, calculava o valor total e os entregava ao cliente já embalados no caixa. A proposta era unir eficiência, controle de estoque e uma experiência moderna — algo inédito para a época.
Como Funcionava o Keedoozle
- Exibição de produtos: Os itens não ficavam em prateleiras comuns, mas sim atrás de vitrines com amostras visíveis.
- Chave personalizada: O cliente recebia uma chave codificada, similar a um cartão magnético primitivo.
- Seleção automatizada: Inseria-se a chave nos painéis identificados com o produto desejado, o que registrava a seleção.
- Processamento eletrônico: No caixa, a fita perfurada era lida e ativava as esteiras, que buscavam os produtos no estoque.
- Entrega no ponto final: As compras eram entregues embaladas no caixa, prontas para levar para casa.
Era uma ideia futurista, com toques de ficção científica, décadas antes da popularização da computação e da automação comercial.
Por que o Keedoozle Fracassou?
Apesar do entusiasmo de Saunders, o Keedoozle encontrou sérios obstáculos. A tecnologia da época simplesmente não estava preparada para lidar com a complexidade do sistema. Os circuitos falhavam frequentemente, resultando em pedidos errados. As esteiras não conseguiam acompanhar o ritmo do fluxo de clientes, especialmente nos horários de pico. Em uma época onde os computadores ainda eram rudimentares, o Keedoozle era considerado “incompreensível para a mente média”, como relatou a revista Automation in Marketing.
Além disso, o público ainda não estava acostumado com a ideia de uma compra tão mediada por máquinas. O comportamento do consumidor da época exigia contato direto com os produtos e interação humana no processo de compra — algo que o Keedoozle praticamente eliminava.
As Três Tentativas
Saunders abriu três unidades do Keedoozle:
- Primeira loja (1937): Memphis, Tennessee. Durou poucos meses.
- Segunda tentativa (1939): Mesmo local, também fracassou.
- Terceira loja (1948): Localizada na esquina da Poplar com a Union Extended, em Memphis. Sobreviveu pouco mais de um ano.
Em todos os casos, o problema era o mesmo: tecnologia insuficiente para um conceito muito à frente do seu tempo.
O Legado do Keedoozle
Apesar do fracasso comercial, o Keedoozle é lembrado como uma ideia visionária que antecipou muitos conceitos modernos. Hoje, a automação no varejo é realidade com caixas de autoatendimento, lojas sem atendentes (como a Amazon Go), aplicativos que escaneiam produtos e pagamentos por aproximação.
Clarence Saunders, que morreu em 1953, não viveu para ver a revolução digital que possibilitaria a ideia que ele já tinha esboçado nos anos 1930. Seu nome, no entanto, continua associado às grandes inovações do varejo.
Curiosidades sobre o Keedoozle
- A primeira loja do Keedoozle foi decorada com inspiração futurista, parecendo uma vitrine de ficção científica.
- A patente original do sistema é considerada um marco da automação comercial.
- O nome “Keedoozle” foi inventado por Saunders e pretendia soar como algo mágico e tecnológico.
- Clarence Saunders era um autodidata que gostava de aplicar ideias da engenharia e da eletrônica em seus empreendimentos.
O Keedoozle foi uma tentativa ambiciosa e incrivelmente inovadora de redefinir a experiência de compra. Embora tenha falhado tecnicamente, deixou um legado importante sobre como o varejo poderia evoluir com o auxílio da tecnologia. Hoje, com as ferramentas certas, o conceito de Saunders parece não só possível — mas inevitável.

