Rostos típicos de diferentes etnias na União Soviética.

Como a URSS Classificava Etnias com Base em Traços Faciais

1960 e 1965

Durante o auge da Guerra Fria, em um período marcado por forte controle estatal e vigilância constante, a União Soviética desenvolveu métodos pouco conhecidos – e controversos – para o reconhecimento étnico de seus cidadãos. Um desses métodos envolvia o uso de esboços faciais criados por criminologistas soviéticos, projetados para ajudar a polícia a identificar suspeitos com base em seus traços físicos.

Tabela de fenótipos da era soviética usada pela polícia para identificar etnias.
Tabela de fenótipos da era soviética usada pela polícia para identificar etnias.

Esses documentos, conhecidos como tabelas de fenótipos, foram produzidos entre os anos de 1960 e 1965 e refletem a complexa estrutura social e política da URSS. Eles consistiam em desenhos padronizados de “rostos típicos” que, segundo os critérios da época, representavam os traços característicos de dezenas de grupos étnicos presentes no território soviético.

Apesar de não existirem registros públicos amplamente divulgados sobre o uso oficial desse sistema em larga escala, há fortes indícios de que tais esboços eram usados por forças policiais e serviços de segurança interna, como parte de investigações criminais e controle populacional em uma sociedade rigidamente monitorada.


Etnicidade na URSS: Um Conceito Diferente de “Raça”

Na União Soviética, o conceito de raça, como entendido no Ocidente, era substituído por uma categorização própria: a nacionalidade (ou natsional’nost’). Enquanto todos eram oficialmente cidadãos soviéticos (grazhdanstvo), seus documentos de identidade traziam uma segunda classificação: sua nacionalidade étnica.

Essa nacionalidade não correspondia necessariamente ao local de nascimento, nem mesmo à república soviética onde a pessoa vivia. Um cidadão nascido na Ucrânia, por exemplo, podia ter a nacionalidade registrada como “cazaque”, “judeu”, “tártaro”, “georgiano”, entre mais de uma centena de opções.

A etnia oficial era geralmente determinada quando a pessoa completava 16 anos. Caso os pais tivessem origens diferentes e não entrassem em consenso, a criança era automaticamente registrada com a etnia do pai.


Diversidade e Controle: A URSS como Império Multiétnico

Rostos típicos de diferentes etnias na União Soviética.
Rostos típicos de diferentes etnias na União Soviética.

A União Soviética era um verdadeiro mosaico de povos. Com mais de 100 grupos étnicos catalogados, a URSS se orgulhava oficialmente de sua diversidade, mas, na prática, essa multiplicidade era tratada com ambiguidade e vigilância.

Segundo estimativas de 1990, a população soviética era composta por:

  • Russos: 50,78%
  • Ucranianos: 15,45%
  • Uzbeques: 5,84%
  • Entre muitos outros povos do Cáucaso, Ásia Central, Báltico e Extremo Oriente.

Embora houvesse tentativas de promover a convivência e a “união dos povos irmãos”, o aparato estatal também mantinha registros rigorosos sobre as características fenotípicas de cada grupo, evidenciando uma tentativa de catalogar, vigiar e até controlar essas populações a partir de seus traços físicos.


O Uso de Esboços Faciais pela Polícia Soviética

A tabela de fenótipos consistia em uma série de ilustrações que representavam, segundo os criminologistas soviéticos, os “rostos médios” de grupos étnicos distintos. Cada rosto era desenhado com base em milhares de fotografias colhidas de registros policiais e documentos civis.

Esses esboços não tinham como finalidade oficial o preconceito racial, ao menos na teoria. Mas, na prática, podem ter servido como instrumento de estigmatização e reforço de estereótipos, especialmente durante investigações policiais, ações de vigilância e controle de fronteiras internas.

É importante lembrar que o Estado soviético se dizia contrário ao racismo e ao nacionalismo burguês, mas isso não impediu a repressão e a vigilância sistemática de certos grupos considerados “potencialmente desleais”, como povos bálticos, tártaros da Crimeia, chechenos, judeus e outros.


A Engenharia Social e a Assimilação Forçada

Ao longo de sua história, a União Soviética tentou promover uma identidade supranacional: o “povo soviético”. Entretanto, muitas etnias foram obrigadas a se assimilar cultural e linguisticamente. Pequenos grupos, como os mingrelianos da Geórgia, por exemplo, foram incorporados oficialmente a etnias maiores, como os georgianos.

Grupos como russos, ucranianos e bielorrussos, por terem origens e línguas eslavas similares, foram tratados como uma “tríade fraterna” – e com privilégios relativos no sistema. Por outro lado, populações muçulmanas da Ásia Central muitas vezes enfrentaram marginalização econômica e pouca autonomia política.

Apesar da propaganda de igualdade entre os povos, o modelo soviético frequentemente favorecia a russificação cultural e linguística, ao mesmo tempo que mantinha um rígido controle estatístico e identitário sobre as demais nacionalidades.


Nacionalismo, Resistência e Submissão

Entre as diferentes nacionalidades da URSS, havia também distintas respostas ao domínio centralizado de Moscou. Enquanto algumas regiões desenvolveram movimentos nacionalistas fortes, como no caso dos bálticos e de parte dos caucasianos, outras apresentavam menor resistência ideológica, seja por afinidade religiosa ou por fatores econômicos.

Povos como os azerbaijanos, uzbeques, cazaques e turcomenos conviviam com formas mistas de identidade: uma lealdade regional, um pertencimento religioso islâmico e, ao mesmo tempo, uma identidade soviética funcional, muitas vezes incentivada por benefícios estatais e oportunidades urbanas.

Esse equilíbrio instável entre unidade e diversidade, lealdade e desconfiança, foi um dos desafios centrais enfrentados pelo regime soviético até seu colapso em 1991.


Um Sistema de Classificação que Reflete o Controle Estatal

Os esboços faciais utilizados pela polícia soviética são hoje uma curiosidade histórica, mas representam uma realidade muito mais profunda: o esforço de um Estado em classificar, ordenar e controlar seus cidadãos com base em características físicas e étnicas.

Essa prática, ainda que envolta em uma retórica oficial de igualdade, mostra como o projeto soviético de engenharia social foi sustentado por mecanismos de vigilância e controle da identidade em todas as suas formas – inclusive a aparência.

Ao analisarmos esses documentos, nos deparamos com um retrato nu e cru da URSS: um regime obcecado por organização, monitoramento e padronização da população, mesmo em aspectos tão subjetivos quanto um rosto humano.

(Crédito da foto: Arquivo Estatal da Federação Russa).

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